A vida íntima de Pipa Lee

o livro e o filme - perfeitos!

Esse é um dos poucos exemplos de um bom livro que se tornou um filme igualmente bom.Talvez porque a autora do livro,seja também a roteirista e diretora do filme.

Na minha interpretação, este é um filme sobre culpa, esse sentimento que parece nobre mas que é tão destrutivo quanto o ódio ou a inveja.Diria até que pior,pois a inveja e o ódio, mostram logo a cara feia pra gente e a culpa é uma fingida!

A culpa vem tomando conta da gente muito mansinha, disfarçada de bom sentimento, de uma coisa quase sagrada e se a gente vacila ela nos imobiliza, nos prende ao passado e não nos deixa seguir em frente. 

A culpa é gêmea do arrependimento e prima-irmã do rancor e do ressentimento. Faz com que entremos num ciclo de auto comisseração que nos leva a infelicidade completa!

O livro e o filme começam com Pippa aos 50 anos, ocupada em organizar um jantar para os amigos do marido,um senhor de 80 anos que acaba de sofrer um enfarte.

No desenrolar da conversa descobrimos que o casal que já tem dois filhos adultos e que se mudou para um condominio de idosos conhecido como "O vale das rugas",pois o precavido esposo de Pippa percebeu que está no fim da linha.Vendeu seus bens, colocou o dinheiro na conta da esposa e saiu da editora onde trabalhou durante anos.

Um olhar desatento enxerga em Pippa apenas uma amantíssima esposa e uma senhora cordata.A príncipio ninguém nota que dentro de dela há muito fogo, muita paixão, muitas oportunidades desperdiçadas e muita,muita culpa.Toda a vida de Pippa até então girou em torno de ser boa o bastante para apagar a culpa que ela sente por coisas que viveu até seus 20 e poucos anos.
(Se você não gosta de saber o final de um filme ou de um livro, pare de ler aqui, pois vou continuar contando.)

E então começam os flashbacks. Pippa nasceu cabeludinha e sua mãe, viciada em comprimidos para emagrecer, achou que isso era um castigo dos céus por ela ser como é.Quando os pêlos residuais caíram e a mãe percebeu que tinha uma filha perfeita e linda, se consome de culpa pela rejeição inicial e sufoca a filha com execesso de amor, atenção,presentes e oscilações de humor provocada por anfetaminas. Pippa não sabe como fazer para ajudar a mãe e acaba se tornando uma adolescente problemática.

Pippa fuma,cheira,engole e injeta todo tipo de droga que aparece na sua frente, até que conhece Herb, um homem mais velho e casado que lhe mostra um novo mundo.

A princípio, ele se torna apenas um mentor que direciona a vida de Pippa, depois  se tornam amantes e decidem ficar juntos. A esposa não aceita e comete suicídio.

Novamente Pippa se consome em culpa. A morte da ex-esposa, a loucura da mãe e a culpa por ter feito todas as coisas que seu pai que era pastor lhe ensinou que eram erradas são um fardo grande demais.

Pippa consegue reagir, se casa com Herb,tem filhos e se torna a melhor esposa que poderia se tornar para um homem muito mais velho que ela Desejando que todo esse esforço "cure" sua natureza livre e rebelde e apague todas as suas culpas e ressentimentos.

Consciente de como sua criação foi ruim, Pippa tenta criar sua filha de forma completamente oposta de como foi criada,mas isso evidentemente não é o ideal e cria um ressentimeto enorme em sua filha, que a despreza. 
Pippa se culpa por não conseguir ser amiga da sua filha,por não conseguir ser feliz,por não conseguir parar de sentir culpada por tudo...

E então aí está ela, 50 anos muito mal vividos em uma rotina que para alguém diferente dela seria perfeita,mas que não lhe serve. Este é o ponto da virada na vida de Pippa .

Não há muita coisa para se fazer no condomínio onde o casal está morando agora. O marido de Pippa não consegue ficar parado e continua lendo rascunhos de livros para sua editora. Pippa gasta seu tempo conversando com as velhinhas da vizinhança até que o filho de uma delas (Keanu Reeves) aparece e chacoalha as coisas no "vale das rugas".

Ao mesmo tempo,Pippa começa a sofrer de sonambulismo ou de alguma coisa mais séria.Ela não consegue mais fingir ser a senhora boazinha que na verdade nunca foi.O marido dela também não se conforma com a vida que está levando e arranja uma amante de vinte e poucos anos (Winona Ryder), que é amiga de Pippa.

Quando Pippa descobre o caso do marido, a amante forja um suicídio cortando os pulsos com um prestobarba! (queria muito se matar, hein?)

O marido de Pippa falece e todos acham que ela vai fazer o que parece mais adequado a uma senhora nessa situação: enterrar o marido, ir morar com o filho e esperar o nascimento dos netos. Mas Pippa agora se sente livre.Finalmente a culpa,sua companheira constante, a abandona. 

Pippa avisa aos filhos:

 - Eu cuidei de vocês do melhor jeito que pude, fui uma boa esposa para seu pai, fui até uma boa amiga para a amante dele,ia almoçar toda semana com ela e ouvia os seus problemas sem saber que era do meu marido que ela estava falando. Então, eu sinto muito,mas não vou organizar o velório dele.Não se preocupem eu volto para o enterro,mas não vou ficar aqui! Convidem a amante,eu não me importo.Estou indo viajar com o filho da vizinha!

O filho fica perplexo,mas a menina entende.Finalmente,Pippa vê nos olhos de sua filha o que nunca viu nos olhos de ninguém: respeito!

O filme termina com Pippa e Keanu em uma van na auto estrada, rumo ao desconhecido!

A grande lição que tirei desta obra, além de evitar as armadilhas da culpa, é que nunca é tarde para se dar uma guinada na vida, para mudar o que não nos faz feliz e o mais importante: por mais perfeita que seja a personagem,não vale a pena passar uma vida inteira representando.Nenhum personagem que você possa criar para agradar os outros vai ser melhor do que quem você realmente é! 

Nada nos faz mais feliz que a nossa própria verdade!

Ler o livro ou ver o filme? Os dois valem a pena! 
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